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A INTRÉPIDA MARY KINGSLEY: DOS LIVROS ÀS ANDANÇAS PELA SELVA AFRICANA

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Obrigada a uma vida reclusa, MARY KINGSLEY buscou satisfação no cômodo de casa onde ela podia encontrar, a toda hora, "amigos" capazes de lhe fazer aprender sobre as coisas e transportá-la para incontáveis lugares do mundo: as centenas de livros do pai. Daquelas infinitas páginas, Mary fez surgir dentro dela um forte desejo. Uma vontade que, um dia, bateria à sua porta e a levaria para longe,


DA BIBLIOTECA DE CASA PARA AS SELVAS DA ÁFRICA

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sta é uma história que personifica o quão a leitura tem o poder de transformar as pessoas. Cada relato, cada passagem descrita nas páginas muitas vezes amareladas de uma obra é capaz de semear em nosso espírito a vontade de ir além: de descobrir, de escapar do senso comum. Livros alimentam sonhos. Um romance apenas, uma página somente de um conto, talvez, rasgada e incompleta, já é capaz disso. Imagine, então, uma coleção de infinitos parágrafos!


Além de mostrar a beleza inspiradora por detrás dos livros, neste breve artigo está um exemplo grande de coragem. Arrumar as malas, bater a porta de casa e cair na estrada é uma atitude um tanto ousada, todos sabemos. Eu diria até mais: é de extrema abnegação e também poesia! Ter apenas a sua certeza diante das incertezas do mundo. Nos dias de hoje, cheios de modernidade e informação, alguém ser capaz de um feito como esse já seria incomum; é algo que impressiona. Mas, e se ele acontecesse mais de um século atrás? E se tivesse como protagonista não um homem, mas uma mulher?


Ora, por que eu digo isso? Bem, nós, homens, temos que admitir: em muitos aspectos, a natureza tornou a vida feminina mais difícil do que a nossa. Eu percebo isso facilmente nas trilhas e acampamentos. As mulheres menstruam, o que exige cuidados com os quais não precisamos nos preocupar, e urinam de uma forma não tão prática quanto a fisiologia humana permitiu ao indivíduo do sexo masculino proceder — mijamos praticamente igual um cachorro; já uma mulher precisa se abaixar, ter mais higiene, enfim; no  mato, isso é um problema. Mas elas encaram e vão! São elas também que engravidam, que têm seios, que em geral precisam cuidar dos cabelos, da pele, etc. É a vaidade natural feminina, sempre maior que a nossa.


IMAGEM DA REGIÃO DE ISLINGTON, EM LONDRES, ONDE MARY TERIA PASSADO SEUS PRIMEIROS ANOS NA INFÂNCIA E LIDO SEUS PRIMEIROS LIVROS (SITE INSLINGTON LIFE)

Não bastasse essas coisas, fora o campo dominado pela senhora Natureza, nos dias atuais, mesmo com tantos ganhos e avanços, ainda é bastante difícil comparar o mundo que se apresenta diante dos homens frente àquele ao qual elas precisam se submeter (esta palavra não parece apropriada: mulheres não se submetem; fazem o que é preciso fazer). Em muitos aspectos, para elas as coisas são mais difíceis. Isso vale, em grande parte, para a liberdade de tomar certas escolhas e de se achar em segurança em determinados locais. Pois bem.


Imagine, portanto, sendo difícil para qualquer mulher atualmente exercer suas vontades, o que dirá tempos atrás. E vou reforçar: a história que estou prestes a contar não se passou em 1970, 1950 ou 1920. Era ainda o século XIX! Ou seja: pelo lado da sociedade, presumivelmente mais machista do que hoje, e pelo lado da natureza, certamente a mesma de agora só que sem tantas facilidades à disposição nas farmácias e também de vestuário feminino, era muito mais difícil. Não há o que negar. Apesar disso tudo, Mary Kingsley foi lá e fez o que precisava fazer. O que o seu coração mandava.


Mary Henrietta Kingsley nasceu em treze de outubro de 1862 na vibrante Londres, capital do Império Britânico, então, vitoriano, esplendoroso e com colônias espalhadas por todo o globo. Numa casa no bairro de Islington — numa época em que as mulheres lutavam por mais direitos e os homens discutiam, como sempre, se, de fato, elas eram capazes de fazer coisas iguais a eles (era a primeira onda dos movimentos feministas e muitos desses direitos, décadas à frente, durante os movimentos feministas do século XX pelo mundo, já seriam vistos como causas ganhas) —, a jovem cresceu em meio a uma família marcada por certa curiosidade intelectual. O pai de Kingsley, o médico, escritor e inquieto viajante George Kingsley, possuía uma vibrante biblioteca em seu tranquilo lar com inúmeros relatos sobre viagens mundo afora de exploradores. Ele mesmo era famoso por haver contribuído com vários manuscritos sobre história natural e lugares distantes. O Doutor Kingsley era visto regularmente embarcando para um novo porto e já havia posto seus pés em regiões que iam da Nova Zelândia à Terra Nova, do Japão à Polinésia. Por conta disso, na infância, Mary pouco via seu pai. Todavia, ela se distraia com os livros que ele deixara nas estantes da biblioteca — além dos raros e exóticos relatos por ele contados ao aparecer de surpresa na casa de Islington (que depois mudou para Kent e depois para Cambridge).


Retrato homenageando a valente Mary Kingsley num selo da República do Congo.
Retrato homenageando a valente Mary Kingsley num selo da República do Congo.

Também desde cedo, Mary precisou cuidar da mãe, mais rígida e reservada, de quem herdou o nome (ela era Mary Bailey) e que volta e meia se encontrava enferma. Precisar tão menina estar constantemente a cuidar da saúde de um adulto incutiu em Mary um senso prematuro de responsabilidade e uma maturidade muito além de sua tenra idade. Mary era a filha mais velha da casa (a menina possuía um irmão, Charles). Assim, com a frequente ausência do pai e o estado delicado da mãe, logo também precisou assumir o papel de administradora do lar.



O DOUTOR KINGSLEY, PAI DE MARY, ERA UM AVENTUREIRO. A TRABALHO, JÁ HAVIA VIAJADO POR INÚMEROS LUGARES , DA LONGÍNQUA NOVA ZELÂNDIA À TERRA NOVA NA AMÉRICA DO NORTE. POR CONTA DISSO, MUITAS VEZES, SE AUSENTAVA POR MESES DE CASA. POR CAUSA DA SAÚDE DEBILITADA DA MÃE, ERA MARY, A FILHA MAIS VELHA, QUEM PRECISAVA GERIR O LAR.



Embora tais deveres restringissem suas liberdades na infância e adolescência, eles aguçavam na jovem Mary uma inteligência prática e uma resiliência emocional. Charles volta e meia lhe pedia ajuda. Ela tinha que, o tempo todo, pensar e agir. Sua família, embora financeiramente abastada, não era afoita aos encontros sociais por conta de sua mãe, na maioria das vezes, não estar disposta a se levantar da cama e o pai ou não gostar de tais eventos ou estar fora. Por isso Mary não possuía lá tantas amizades ou pretendentes. Seu pai também discordava do padrão engessado imposto à educação das meninas na Era Vitoriana. Ele o considerava até mesmo prejudicial à formação do caráter das jovens. Assim, Mary encontrava prazer nas altas prateleiras do lugar onde, mesmo não saindo de casa, podia “ser outra pessoa” e desbravar o mundo em emocionantes viagens. Ela sempre recorria à extensa biblioteca do pai.


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ESTUDOS DA ÁFRICA OCIDENTAL SERIA, MAIS À FRENTE, O SEGUNDO LIVRO ESCRITO POR KINGSLEY ACERCA DE SUAS VIAGENS PELO CONTINENTE AFRICANO. A ÁVIDA EXPLORADORA DE LIVROS SE TORNARIA, POR CAUSA DELES, UMA VERDADEIRA AVENTUREIRA.


Debruçada sobre os livros, Mary se aprofundou em diversos assuntos: geografia, história natural, etnografia, relatos de exploradores. Os limites impostos por suas obrigações domésticas encontravam no prazer da leitura um escape; eram um remédio para seu espírito! Mary absorveu o que pôde deles, incluindo toda sorte de detalhes conhecidos à época pelos britânicos acerca dos lugares e povos do mundo. Isso alimentou sua imaginação e despertou nela um desejo por querer conhecer aquilo. Essa educação não convencional moldou profundamente a personalidade da infante Mary Kingsley. A coleção eclética de seu pai forneceu uma estrutura livre das ortodoxias educacionais da época, permitindo que ela pensasse além das tradições e dos limites impostos pela sociedade comum.


Somando as constantes idas à biblioteca com a maturidade obtida precocemente (além do espelho distante providenciado pela figura de seu pai, ávido explorador que, apesar de ausente, lhe servia como um farol), a jovem logo se viu fascinada pela aventura e pelas expedições. Ela, de fato, preferia as biografias de exploradores e obras científicas aos livros considerados apropriados para as garotas da época. Sonhava com o exterior, com povos sobre os quais lia naquelas páginas. A negligência do pai em relação à saúde da mãe também a tornou mais forte emocionalmente, uma mulher determinada. Não queria depender de ninguém. Somente dela mesma.


Após a perda do pai em 1892 e, meses depois, de sua mãe, Kingsley, então, com trinta anos, se viu em um momento decisivo da vida. Livre das obrigações que a prenderam ao lar por todos aqueles anos, ela se viu decidida a mudar completamente seus dias e abraçar de uma vez por todas seus sonhos mais antigos, a aventura! Agora independente, era sua chance de conhecer de verdade todo aquele universo outrora apenas visitado por sua imaginação. Dividindo a herança de cerca de 9 mil libras com o irmão, ela arrumou as malas e saiu de casa. Apesar de o conselho vitoriano recomendar às senhoras e senhoritas inglesas viajar pela Europa, Mary escolheu outro destino: as terras do continente africano; a enigmática África Ocidental.


KINGSLEY PARTE RUMO À ÁFRICA


Em geral, à época, mulheres em viagem pela África eram vistas como esposas de missionários, governadores ou exploradores. Tal destino era considerado bastante perigoso para homens, o que diriam para uma mulher solteira (Mary, com frequência, era indagada sobre onde estava seu marido). Rumando para aquele lugar inóspito, Kingsley não desejava apenas saciar o desejo por ver diante de seus olhos as terras descritas nos livros da biblioteca de seu pai, mas também testar suas próprias capacidades e o quão era independente. A África representava um contraste gritante frente à formação enclausurada que tivera. Seria um teste constante de resiliência.


ACIMA, MARY KINGSLEY (SENTADA AO CENTRO) SENDO RETRATADA EM SUA EXPEDIÇÃO PELO RIO OGOWE (MANSELL COLLECTION).


No verão de 1893, Mary Kingsley realizou sua primeira viagem à África. Sozinha, desembarcou na costa ensolarada de Serra Leoa (uma extensão dos domínios britânicos no continente) vestida de trajes típicos vitorianos, incluindo um espartilho bem amarrado, saias na altura dos tornozelos, blusas de gola alta e botas de couro resistentes. Mary tinha seu próprio jeito de ser e de agir.  A aventureira, logo, se ocupou de catalogar insetos e peixes pelos locais por onde decidiu andar. Realizou um trabalho científico que se mostrou bastante detalhado aos olhos dos exploradores mais experientes. Algo que, talvez, muitos deles não acreditassem, imaginando ser ela apenas uma turista desejosa de conhecer os encantos da África e sem expertise. Mal sabiam eles o quão Mary havia lido e aprendido sozinha. A aventureira transcendeu suas próprias expectativas e, afora o registro de espécimes, mesmo sendo uma mulher e estando sozinha, tomou coragem para tratar com indivíduos de tribos africanas e anotar seus costumes.


MÁSCARA CERIMONIAL DE QUATRO FACES DO POVO FANG POR ELES CHAMADA NGONTANG, PALAVRA CUJO SIGNIFICADO É "JOVEM MULHER BRANCA", E HOLÓTIPO DE UMA ESPÉCIE DE BESOURO LONGHORN ("LONGOS CHIFRES" EM INGLÊS; EM PORTUGUÊS, MAIS CONHECIDO COMO "SERRA-PAU") DENOMINADA PSEUDICTATOR KINGSLEYAE EM HOMENAGEM À KINGSLEY.


Kingsley se tornou conhecida por contestar a dita superioridade europeia frente aos povos africanos. Ela observava os costumes e rituais dessas tribos sem qualquer preconceito ou critério mais polido de julgamento. A aventureira documentou a complexidade, sofisticação e humanidade das comunidades com as quais se deparou, reconhecendo as dinâmicas sutis frequentemente ignoradas por outros viajantes europeus. Kingsley aprendeu com guias africanos habilidades práticas para tornar mais seguras suas viagens para longe dos assentamentos. Queria, como sempre, depender apenas de si mesma. Sabia técnicas de sobrevivência, pesca, como navegar em canoas feitas de tronco por complexos sistemas fluviais em densos manguezais na selva e a identificar plantas e frutos comestíveis. Os guias simpatizavam com a forma como Mary os escutava, disposta a, antes de agir por si mesma, ouvir com atenção seus comandos no lugar de querer impor métodos ensinados pelos europeus. Por essa razão, todos a respeitavam. Sua primeira expedição pela África correu por Serra Leoa e Angola e, ao final do mesmo ano em que pisou naquelas terras, Kingsley retornou à Inglaterra com o espírito transformado, além de páginas e mais páginas de anotações em seus diários. E, com certeza, afoita por querer retornar.


TRAJETO DAS DUAS JORNADAS DESCRITAS NO LIVRO VIAGENS NA ÁFRICA OCIDENTAL, ESCRITO PELA EXPLORADORA: A ROTA DE CANOA SUBINDO O RIO OGOWE ATÉ AS CATARATAS DE ALEMBA E SUA CAMINHADA À PÉ PELA "GRANDE FLORESTA".
TRAJETO DAS DUAS JORNADAS DESCRITAS NO LIVRO VIAGENS NA ÁFRICA OCIDENTAL, ESCRITO PELA EXPLORADORA: A ROTA DE CANOA SUBINDO O RIO OGOWE ATÉ AS CATARATAS DE ALEMBA E SUA CAMINHADA À PÉ PELA "GRANDE FLORESTA".

Em Londres, Mary tinha em mente uma clara visão de futuro e do que desejava fazer. Ela havia se encontrado. Preparou-se melhor para sua volta à África, esperando

dessa vez passar mais tempo no continente. Tinha muitos planos. Possuía agora ainda mais ambição por haver presenciado as coisas que antes lera às centenas nos livros. Tudo aquilo confirmara seu fascínio pela exploração. Decidiu se organizar melhor e, em dezembro de 1894, novamente rumou para o sul.


Mary, dessa vez, mergulhou mais fundo no continente africano. A exploradora partiu em direção ao interior, pretendendo ir o mais longe que conseguisse dos assentamentos britânicos. Aventurando-se pelos territórios do atual Gabão e Camarões, tidos de alta periculosidade pelos exploradores experientes, ela percorreu extensos rios, desbravou pântanos encharcados e embrenhou-se por florestas repletas de incertezas. Com seu ar sempre valente e jovial, Kingsley alcançou, durante essa longa jornada, o topo do Monte Camarões, uma montanha de mais de quatro mil metros de altitude. Foi a primeira europeia a fazê-lo. Ela percorreu o caminho, como já estava acostumada, desbravando a selva com seus trajes típicos vitorianos, contornando uma série de troncos caídos e arrastando sua longa saia nas encostas lamacentas da montanha até o cume.


UM ENORME CONE DE 4 KM DE ALTITUDE ERGUE-SE DA SELVA: O MONTE CAMARÕES (LOCALMENTE CONHECIDO COMO MONTE FAKO). / GEOSFERA INFO


"O que consideramos superstição, eles veem como meios práticos e lógicos de lidar com um mundo perigoso e incerto." – Mary sobre os rituais e crenças dos povos africanos.


O REGRESSO AO CONTINENTE AFRICANO E OS ANOS POSTERIORES


A segunda jornada de Kingsley aprofundou seu interesse pelos costumes africanos, fazendo-a estudar mais algumas tribos do Gabão e Camarões, em especial, o povo Fang (o qual afirmavam serem canibais). Sempre respeitosa em relação às crenças desses povos, Mary conquistou sua admiração e teve acesso mais de perto às cerimônias e rituais. Isso lhe permitiu registrar com riqueza de detalhes suas características. Mary deixou escrito: “a diferença entre nossas ideias e as dos africanos consiste principalmente no método, não no objetivo. O que consideramos superstição, eles veem como meios práticos e lógicos de lidar com um mundo perigoso e incerto.” Dessa forma, seus estudos tiveram grande valia na busca do europeu em compreender melhor a sociedade africana, assim como serviram de crítica às atitudes imperiais impostas e políticas coloniais.


Mary retornou à Inglaterra em novembro de 1895 e expusera suas impressões acerca do continente africano nos círculos de cientistas e exploradores britânicos — todos eles dominados por homens. Embora criticada por muitos, como já fosse esperado, seu trabalho de pesquisa era notavelmente brilhante. O talento dela não dava margem para ser ignorado. Em 1897, seu livro Viagens pela África Ocidental foi lançado. Imediatamente, a obra foi considerada um tesouro acerca dos costumes daquela região, seus animais e sua vegetação. Mary ganhou fama por isso, sendo chamada para discursar acerca de suas viagens em vários locais da capital e cidades da Inglaterra.


Chamava a atenção do público em seu livro os relatos bem humorados de Kingsley das vezes em que se deparou com elementos da fauna africana. Eles iam de encontros obrigatórios com crocodilos nos rios a situações particularmente inesperadas com alguns felinos. Certa noite, por exemplo, na tribo Fang, Mary não conseguia pegar no sono por causa do grunhido de um leopardo que caíra numa armadilha de estacas feita pelos aldeões próximo da aldeia. Receosos de soltar a fera e a mesma atacá-los, os nativos acharam por bem deixar o animal preso a noite toda a fim de que, pela manhã, pudessem soltá-lo quando estivesse cansado de se debater e rosnar. Kingsley, sem conseguir dormir e já impaciente, foi até a fera. Ela imaginou que, se soltasse todas as estacas, deixando o animal preso a apenas uma delas, teria tempo de correr para a aldeia antes que ele se soltasse. Mary fez isso. Ao retirar todas elas no entanto, deixando apenas uma fincada, o leopardo conseguiu se libertar antes que a aventureira tivesse tempo de correr e avançou raivoso sobre Kingsley. Mary, então, gritou com ele: “Sai pra lá, seu bobalhão!” O leopardo, espantado, fugiu.


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ACIMA, UMA ILUSTRAÇÃO AMBIENTANDO A CENA DO ENCONTRO DE MARY COM O LEOPARDO QUE TERMINOU DE UMA FORMA HILARIANTE (MEISTERDRUCKE/ENGLISH SCHOOL). ABAIXO, UM LIVRO ILUSTRADO PARA CRIANÇAS E JOVENS SOBRE A VIDA DA EXPLORADORA.




"Sai pra lá, seu bobalhão!" – Kingsley, enxotando o grande felino arruaceiro temido pelos aldeões.

FOTO DE MARY KINGSLEY INTITULADA NOVA MULHER (FRANCES BENJAMIN JOHNSTON, 1896).

Kingsley lançou um segundo livro em 1899, Estudos da África Ocidental, com base no sucesso da obra anterior e de sua carreira como palestrante. Os escritos de Kingsley influenciaram as gerações subsequentes de antropólogos e a visão dos colonizadores sobre os africanos. Apesar de não totalmente contra a intervenção europeia naquelas terras, sua abordagem diferenciada da cultura africana remodelou o discurso acadêmico, introduzindo conceitos de relativismo cultural muito antes de se tornarem amplamente aceitos.


Quando a Grã-Bretanha se envolveu novamente em um conflito com os bôeres do sul da África, descendentes dos colonos calvinistas vindos principalmente dos Países Baixos nos séculos XVII e XVIII, Mary se opôs veementemente à guerra, taxando-a de desnecessária e injusta. Ainda assim, tendo sido durante toda a juventude uma enfermeira de sua mãe, se voluntariou como tal para, de alguma forma, aproveitar sua aptidão e prestar serviço ao povo inglês. Em 1900, ela desembarcou na Cidade do Cabo, tomando lugar nas barracas ensanguentadas e abarrotadas de soldados feridos. Com um talento nato para dirigir as ações, Mary logo ocupou um lugar de destaque na enfermaria do Hospital de Simonstown. Ela acabou acometida pela febre tifoide enquanto tratava esse mesmo mal em alguns soldados. Mary Kingsley não resistiu à doença, vindo a falecer em 3 de junho de 1900 com apenas trinta e sete anos.


A ousada escolha de Kingsley, um dia, pela África Ocidental, um destino incomum para uma senhora inglesa “solteirona” da Era Vitoriana, soou para a história como uma atitude clara do tamanho da coragem dentro daquela mulher. Uma coragem que ela aprendeu a ter com a vida e impulsionada pelos livros. Sua empreitada, como deveria de ser, tornou-se também um deles. Dois livros escritos por suas próprias mãos e outros mais, sobre ela, por outros escritores anotados viraram páginas que inspiraram e inspiram milhares até hoje.



MESMO SE OPONDO AO PAPEL DO IMPÉRIO BRITÂNICO NO CENÁRIO DA GUERRA, KINGSLEY SE VOLUNTARIOU PARA TRABALHAR COMO ENFERMEIRA, O QUE JÁ POSSUÍA PRÁTICA, E RETORNOU AO CONTINENTE AFRICANO MAIS UMA VEZ.



O exemplo de Mary Kingsley demonstra o ímpeto de certas pessoas por desafiar as normas sociais e por conseguir seus objetivos. Kingsley encontrou nas matas, rios e tribos de um continente selvagem o propósito para o qual a vida lhe estava direcionando há muito tempo. Quem poderia afirmar que aquela jovenzinha preocupada com a mãe e o irmão menor, por anos enclausurada em casa por conta de seus afazeres, um dia, teria a sua independência. Que ela realizaria seu grande sonho. Tudo graças aos livros deixados naquelas estantes da biblioteca pelo pai ausente, mas preocupado em lhe dar, de alguma forma, uma visão de futuro.


A morte precoce não apagou a grandiosidade de seus atos. Era o desejo de Mary ser sepultada no mar da África. Após sua morte, lançaram o caixão com seu corpo de um navio às águas. Todavia, conta-se, ele permaneceu boiando. Foi preciso colocar uma âncora amarrada nele para que desaparecesse sob as ondas. Mary parecia não querer partir. A julgar pelo que se lê sobre sua vida, ela nunca partiu. Somente naquele dia, aos trinta anos, para a África, para buscar seus sonhos.


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Arte retratando o espírito desbravador de Mary Kingsley. A infância e adolescência presas em casa por conta das atribuições normais de uma filha devotada à mãe não apagaram o desejo surgido nela em razão de sua experiência profunda com os livros. A diversão daqueles tempos tornou-se um sonho que Mary jamais abandonou. Ao ter a oportunidade de buscá-lo, ela assim o fez. Kingsley é um exemplo de coração selvagem (Bridgeman Images). §
Arte retratando o espírito desbravador de Mary Kingsley. A infância e adolescência presas em casa por conta das atribuições normais de uma filha devotada à mãe não apagaram o desejo surgido nela em razão de sua experiência profunda com os livros. A diversão daqueles tempos tornou-se um sonho que Mary jamais abandonou. Ao ter a oportunidade de buscá-lo, ela assim o fez. Kingsley é um exemplo de coração selvagem (Bridgeman Images). §

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QUEM
ESCREVE

O autor, ALLAN KRONEMBERG,

é jornalista, ex-militar e o criador

da marca NA FRONTEIRA. Desde novo,

Allan é aficionado por histórias

de exploradores, filmes de cowboy

e livros sobre os mais variados

temas e aventuras (com destaque

para as obras de Hemingway,

Jack London, os poemas de Bukowski,

frases de Twain e os contos hiborianos

de Howard - inclua as páginas de

"O tempo e o vento", de Érico Veríssimo,

nessa lista mais as notas pujantes de uma

canção do The Cult). Tornando-se

ele mesmo, pelos anos, um aventureiro,

Kronemberg sempre buscou na

natureza selvagem - e numa garrafa

de whisky, ele diria - a inspiração

para a vida e suas próprias estórias.

Foi dele a ideia de tornar

a NA FRONTEIRA, além de uma

grife de roupas, uma revista sobre

os mais diversos assuntos pertinentes

à rotina e aos gostos dos clássicos

aventureiros; homens e mulheres

com o espírito da tempestade

em seu sangue.

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