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CROCODILOS: OS ÚLTIMOS "DINOSSAUROS" DO PLANETA

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Eles atingem mais de cem anos de idade, superam os seis metros de comprimento e podem pesar mais do que uma tonelada. Vistos se arrastando na bancada de um rio, crocodilos aparentam ser tão grandes quanto lentos, mas isso é um ledo engano. Com sua bocarra cuja mordida pode ultrapassar inacreditáveis 1.700 kg de força (a mordida de um humano jovem, como comparação, é de cerca de 60 kg), chegam a ter no cardápio tubarões, búfalos, hipopótamos e humanos descuidados. Conheça mais sobre os descomunais

CROCODILIANOS


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REMANESCENTES DE ANTIGAS ERAS


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o silêncio das águas, ele se esconde. A manada de gnus, recém-chegada de uma longa distância por entre a savana, se aproxima do poço formado pela curva do rio cuja superfície, turva e, aparentemente, segura, a criatura, com a paciência de um experiente caçador, aguarda. Eles acomodam-se um ao lado do outro, espremidos para todos conseguirem beber da fonte. Desejam ardorosamente matar a sede. Cada gnu pode beber de uma vez só oito litros numa única parada. Espalham-se pela orla lamacenta, que dificulta o movimento e forma, assim, uma armadilha natural. Eles logo desconfiam disso. Não são tolos. Conhecem os perigos daquele ambiente, um território totalmente selvagem no sertão de Zâmbia. Apesar disso, num primeiro momento, nenhum deles parece notar o perigo que os ronda. A sede distrai o medo.


À espreita debaixo da superfície do lago, a um canto escondido onde a vegetação ajuda a se camuflar, um enorme crocodilo-do-Nilo observa os visitantes. Com atenção, é possível notar apenas os olhos para fora d’água de seu corpo gigantesco de mais de cinco metros de comprimento. Um verdadeiro monstro! Parece um animal de outra era, um ser que continua a viver entre nós quando, na verdade, seu lugar era outro, entre criaturas maiores e mais mortíferas. Ele esperou o dia inteiro por aquele momento. Crocodilos são oportunistas. Eles se alimentam de peixes no rio e aproveitam qualquer carne disponível oriunda da seca e intempéries da natureza. Mas Croc preferiu se afastar dos outros, ainda fartos pela última refeição, o corpo de um hipopótamo moribundo. Ele não pode comer tanto. Não aproveitou aquele banquete disponível antes como os outros. Está faminto ainda. Previa que os gnus iriam aparecer. Mas, agora, não pode ter pressa. Calculista, ele sabe a hora exata de se aproximar.


Há um grupo cujos indivíduos parecem menos precavidos. Perto de macacos que pulam de uma pedra para outra despreocupados, os gnus ficaram confiantes. Estão mais atirados ao lago. Justo no local onde Croc considera ser perfeito para o bote. Crocodilos escolhem suas vítimas deliberadamente. Pensam antes de agir. Devagar, ele resolve se aproximar. Nada lentamente. Olhando para seu tamanho, é difícil crer que a furtividade seja uma de suas armas. Mas ela é. A surpresa é a arma dos crocodilos! De repente, um dos gnus percebe algo errado. Seu alerta aguça o sentido dos outros ao lado dele. Num gesto rápido, eles se viram para fugir. Um dos animais, todavia, não é ligeiro o bastante. O golpe certeiro de Croc ao surgir das águas com sua bocarra amedrontadora o agarra com suas enormes presas bem no meio do pescoço. Ele tomba na lama. Por mais que tente, não consegue se levantar completamente. O réptil escamoso lhe puxa para a água. O gnu se debate, mas, ao tentar fugir (quando Croc precisa soltá-lo para melhor abocanhá-lo), o crocodilo é rápido o bastante para aplicar outro intento, que agarra o mamífero nas patas traseiras. É um combate desigual em face da posição e da força de ambos. Tudo já está decidido. Outros crocodilos aparecem. Toda a luta do valente gnu será em vão. Croc faz seu giro da morte, rodando com o gnu para dentro do lago e quebrando seus ossos. Ele ruge com sua boca escancarada para os demais. Aquela presa pertence a ele. Croc matará sua fome dessa vez!


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Ataques como esse, tendo como alvo gnus e outros animais dependendo da região, acontecem por grande parte da África, pelo subcontinente indiano e sudeste asiático, norte da Austrália e nas grandes ilhas do Pacífico, como Borneo e Nova Guiné, nos pântanos do sul dos Estados Unidos, no Caribe e na vasta Amazônia ao norte da América do Sul. Por todas essas extensas áreas podemos encontrar, cada um em seu posto, espécies diferentes de crocodilos, aligátores e o temido jacaré-açu — os maiores dentre os crocodilianos. Tratam-se de seres monstruosos a quem chamamos animais de topo de cadeia — um superpredador. Ou seja: não possuem predadores naturais. E eles podem predar até mesmo grandes espécies também consideradas de topo, como a enorme sucuri, pumas e até mesmo onças ou panteras (alguns dentre os poucos, na selva, que podem, igualmente, fazê-los de vítima). Isso sem pôr os humanos nessa lista — tanto como predadores como presa.

Crocodilianos (as espécies de aspecto pré-histórico da família Crocodylidae) são dos animais mais conhecidos da fauna terrestre. Qual criança não sabe imitar a bocarra de um deles se abrindo com seus braços estendidos? Com sua longa e poderosa cauda característica arrastando-se, como seu corpo inteiro, pelo chão, possuem um couro grosso, com uma fileira de placas ósseas e escamas duras para o proteger de ataques de outros animais. Vivem por muitos anos e seus dentes — e patas — crescem novamente se perdidos. Conseguem passar longos períodos debaixo d'água, uma capacidade que aumenta com o tempo, além de possuir pupilas que se dilatam à noite, assim como acontece com os gatos, que lhe permitem enxergar muito bem no escuro.

Os crocodilianos são animais feitos pela mãe natureza não somente para caçar como para durar. São parentes próximos dos dinossauros; ambos conviveram nos mesmos lagos, rios e pântanos de uma Terra ancestral. Os fósseis mais antigos de parentes desses répteis — digo, os que ainda perduram (já que os dinos também pertenciam a essa classe) — datam de cerca de 240 milhões de anos, do período Triássico; justo quando os dinossauros começaram a surgir. Os crocodilianos teriam visto eles aparecerem ainda pequenos, se expandirem já maiores pelo supercontinente Pangeia no final desse período e dominarem o planeta ao surgir do Jurássico, entre 200 e 150 milhões de anos atrás. Bem, os dinos se foram, mas os crocodilianos permanecem. Várias das características, porém, dos dinossauros continuam a existir nessas criaturas gigantescas, como a pele elástica e o sangue frio de seus corpos; os crocodilianos são seres ectotérmicos — embora se acredite hoje que muitos dos dinossauros possuíssem um organismo híbrido entre o sangue frio, que permite ao indivíduo não necessitar de tanta comida para sobreviver, todavia mais dependente do clima, e o sangue quente, mais alheio às mudanças de temperatura. Também o formato da mandíbula e a dentição típica dos extintos dinos encontra similaridades nas grandes bocas dos crocodilianos.


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OS CROCODILIANOS CONSEGUEM ENXERGAR NO ESCURO TÃO FACILMENTE QUANTO OS FELINOS E SEUS DENTES E MEMBROS, CASO PERDIDOS, CRESCEM NOVAMENTE.
OS CROCODILIANOS CONSEGUEM ENXERGAR NO ESCURO TÃO FACILMENTE QUANTO OS FELINOS E SEUS DENTES E MEMBROS, CASO PERDIDOS, CRESCEM NOVAMENTE.

Fato é que os crocodilianos, em face de todas as eras pelas quais passaram e hecatombes que superaram, são especialistas em sobreviver. Ao longo do tempo, esses répteis modificaram suas estruturas e se diversificaram, sobrevivendo à extinções em massa que varreram o planeta. Sendo preciso, eles podem passar meses sem comer, gastando as energias que acumularam durante os períodos de fartura. Eles transformam em gordura a maior parte do que comem e possuem um estômago que é o meio mais ácido entre os vertebrados. Podem digerir qualquer coisa: ossos, cascos e até chifres! Por isso engolem suas presas inteiras sem mastigar. Mesmo sendo ectotérmicos, por incrível que pareça, podem sobreviver à neve e ao gelo, diminuindo o ritmo dos batimentos cardíacos e restringindo a circulação apenas ao coração e ao cérebro. Fisicamente, seria fácil dizer que, dentre as muitas criaturas hoje existentes, são eles os mais próximos dos antigos dinossauros. Mas não são.


Para espanto de muitos, no reino animal, são as aves quem possuem uma proximidade maior em relação àqueles seres gigantescos outrora dominantes no planeta. É bastante curioso isso, mas a verdade é que, por conta da evolução, não somente esse ponto se encaixa melhor, como também podemos dizer que os crocodilianos, primos dos dinos, mas não tanto quanto as aves, estão mais próximos delas, ou seja, de um delicado tordo ou um pardal do que de uma cobra ou um lagarto.


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Os taxonomistas organizam o reino animal com base na origem das espécies ou em quem descende de quem. Como comparação, imagine listar, por exemplo, todos os produtos imagináveis feitos à base de milho: fubá, farinhas, cereais, xarope, óleos, bourbons, etc. Embora a lista contivesse itens extremamente diferentes, seria possível conectar todos eles a uma espiga. Apesar disso, provavelmente julgaríamos a pipoca feita para o lanche da tarde e preparada rapidamente por alguém na cozinha mais perto do milho colhido do que o combustível conseguido na bomba do posto e utilizado no carro para o mesmo se movimentar. Um levou mais processos do que o outro desde a origem até se transformar no produto final.

     

Ora, os dinossauros, pterossauros (os répteis voadores do passado), pássaros e crocodilianos têm um ancestral em comum: os arcossauros. Surgidos no Triássico médio, entre 245 e 230 milhões de anos no passado, estes “répteis dominantes” (o que seu nome sugere) compreendiam vertebrados de quatro patas com uma característica marcante: aberturas no osso do crânio localizadas entre os olhos e as narinas chamadas fenestras. Elas apareciam tanto na frente das órbitas, onde ficam os olhos, como nas mandíbulas. O crânio dos crocodilianos, assim como ocorria nos dinossauros, guarda o mesmo detalhe.


Em algum ponto, crocodilianos e dinossauros evoluíram a partir de um ancestral comum, mas cada um seguiu por um ramo distinto: cada um sendo um galho (fazendo uma metáfora com uma árvore) proveniente de outro galho maior e anterior, o tal arcossauro original. Mas e a relação com os pássaros? Enquanto um ramo mais distante dessa enorme árvore genealógica tenha surgido antes, se separado e originado as cobras e lagartos, do “galho” arcossauro vieram a brotar os pterossauros, dinossauros (herbívoros e carnívoros), crocodilianos e pássaros. Acontece que os pássaros, por suas características, estão ainda mais próximos dos extintos dinossauros do que os crocodilianos. Podemos listar várias semelhanças entre eles como o pescoço em “S”, o cuidado com os filhotes, a postura para dormir, pés com garras e a agilidade de movimentos. Voltando ao exemplo do milho, grotescamente, é como se os arcossauros fossem o milho, os dinos, um curau e as aves, um bolo. Já os crocodilianos são um Jack Daniel’s. Tudo isso não apaga, entretanto, nossa impressão de serem os crocodilianos, pelo aspecto, os “últimos” dinossauros da Terra.



A FAMÍLIA: CROCODILOS, ALIGÁTORES, JACARÉS E GAVIAIS


A julgar pelas vastas regiões citadas anteriormente, os crocodilos se dispersam por extensas áreas do globo. Existem na atualidade catorze espécies de crocodilos sobre a Terra. É preciso primeiro distinguir a diferença entre crocodilos, aligátores, jacarés e gaviais. Embora muito parecidos e com as mesmas origens (os quatro pertencem à família dos crocodilianos), a melhor forma de distinguir um do outro é observar suas cabeças.


O gavial é o mais fácil de ser diferenciado dos demais. Também é o mais incomum. Seu nome tem origem numa corruptela francesa do termo hindustani (língua do norte da Índia) para crocodilo, gharyial. Ele pode ser encontrado somente nos rios da Índia e Nepal, existindo também o chamado falso-gavial, ou gavial-da-Malásia. Os gaviais diferem dos outros crocodilianos pelo focinho estreito e alongado, tendo os machos na ponta do mesmo uma visível protuberância. Medem de 4,5 a 5 metros (os machos, maiores que as fêmeas) e podem pesar pouco mais de 200 kg.

 

COM SUA BOCA ESTREITA E ALONGADA, O GAVIAL É O MAIS FÁCIL DE SER IDENTIFICADO. ELE POSSUI, POR CONTA DISSO, UM ASPECTO, DIGAMOS, MAIS PRÉ-HISTÓRICO DO QUE OS OUTROS.
COM SUA BOCA ESTREITA E ALONGADA, O GAVIAL É O MAIS FÁCIL DE SER IDENTIFICADO. ELE POSSUI, POR CONTA DISSO, UM ASPECTO, DIGAMOS, MAIS PRÉ-HISTÓRICO DO QUE OS OUTROS.

Já a diferença entre jacarés, aligátores e crocodilos é mais tênue. Para começar, o aligátor constitui uma espécie de jacaré mais troncuda. Há diferenças entre os dois, como os dentes mais longos e afiados dos aligátores e a maior agilidade dos jacarés, todavia, resumindo, aligátores nada mais são do que enormes jacarés. Os aligátores são nativos dos pântanos do sul dos Estados Unidos, entre a Carolina do Norte e o Texas (o Alligator mississippiensis, muito famosos nos Everglades da Flórida) e de uma região da China, na foz do rio Yangtzé (o Alligator sinensis). Embora haja exceções, os jacarés e aligátores, de uma forma geral, têm o focinho mais largo e arredondado (em formato de “U”) que o do crocodilo (que é em formato de “V”), e seus dentes superiores são implantados fora do alinhamento dos dentes inferiores. Quer dizer, quando estão com a boca fechada, os jacarés e aligátores deixam aparecer somente os dentes superiores. O quarto dente de cada lado do seu maxilar inferior é maior do que os outros. Todavia, como se aloja numa reentrância do maxilar superior, fica oculto quando eles se mantêm de boca fechada. Já a cabeça do crocodilo, mais afilada, possui dentes superiores e inferiores bem alinhados. Ele também possui dentes maiores de cada lado do maxilar inferior, mas estes são envesados para frente e se ajustam num sulco que se projeta para fora do maxilar superior. Por isso, quando um crocodilo é visto de perfil, esses dentes podem ser claramente observados, mesmo que o animal se conserve de boca fechada — ou seja, os crocodilos, quando trancam a bocarra, deixam evidentes tanto os dentes de cima como os de baixo da mandíbula.

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ALIGÁTORES CONSTITUEM UMA ESPÉCIE GRANDE DE JACARÉ. A DIFERENÇA ENTRE ELES E OS CROCODILOS ESTÁ PRINCIPALMENTE NO FORMATO DA BOCARRA: ALIGÁTORES POSSUEM A BOCA EM FORMATO DE "U", ENQUANTO OS CROCODILOS, DE "V"(FOTO MAIS ACIMA; O ALIGÁTOR É O DA DIREITA). COM ELA FECHADA, COMO APARECE NA ILUSTRAÇÃO SEGUINTE, CROCODILOS DEIXAM À MOSTRA OS DENTES SUPERIORES E INFERIORES. JÁ OS ALIGÁTORES OU JACARÉS, APENAS OS DENTES DE CIMA



Na foto à esquerda, a espécie conhecida como caiman ou caimão, comum no Caribe e América do Sul. Na outra, de cima para baixo, um filhote de crocodilo, de caiman e de aligátor.

Dentre os vários tipos de crocodilianos, os jacarés (do tupi, iakaré), também chamado caimão (que vem de outra linguagem indígena, o taíno caribenho, kaiman) são os menores em tamanho. Enquanto os crocodilos, como dito, estão em todos os continentes (exceto a Antártica), espécies de jacarés — oito no total, incluindo os aligátores americanos e chineses — ocupam as selvas das Américas Central e do Sul, não havendo jacarés em outros continentes do mundo. Jacarés estão ligados à água doce, enquanto algumas espécies de crocodilos são adaptadas à água salgada. Animais como os que habitam em larga quantidade o Pantanal (lá existem mais de 10 milhões de jacarés, o Caiman yacare, ou jacaré-do-Pantanal, o que significa haver uma população maior que a dos humanos na região), possuem de 2 a 3 m de comprimento e pesam por volta de 70 kg. Eles se alimentam principalmente de peixes, crustáceos e pequenos mamíferos e aves. Apesar do porte menor dos jacarés, há uma exceção: o jacaré-açu amazônico. Ele, em tamanho, compete com os temidos crocodilos.


O jacaré-açu é uma espécie exclusiva da América do Sul, guarnecendo as inúmeras áreas alagadas que se encontram ao norte do continente, em meio à Bacia Amazônica. Também conhecido como jacaré-negro, seu tamanho descomunal, acima de 5 metros e peso de até meia tonelada, lhe confere o status de um dos senhores da floresta. O que significa que, estando no topo da cadeia alimentar, ele é capaz de predar qualquer criatura que cruze o seu caminho; qualquer um!


Vídeo de um jacaré-açu abatido em cujo estômago foram encontrados os restos de uma onça pequena.


Os aligátores-americanos, ou aligátor-do-Mississipi, dividem em grande parte o seu habitat com o crocodilo-americano, umas dessas vorazes criaturas reptilianas capazes de viver na água salgada (o que não é o caso dos aligátores). Tendo cerca de 3 metros e 400 kg, os aligátores se alimentam de grandes animais como, por exemplo, veados que abocanham e puxam para as águas a fim de afogá-los e depois comer. O curioso é que há, nos Estados Unidos, lendas urbanas que contam a respeito de aligátores habitando os esgotos das grandes cidades, o que parece um exagero. Tais lendas sugerem que jacarés podem ter entrado na tubulação devido ao sistema de drenagem se conectar com algum rio ou ainda que espécimes foram comprados como animais de estimação e depois descartados nos vasos sanitários ao começarem a crescer. Teriam, assim, se desenvolvido no subterrâneo. Tais estórias possuem origem em encontros reais ocorridos com jacarés em tubulações e estações de tratamento, como o caso de Éléonore. Éléanore não era um aligátor, mas, sim, um crocodilo-do-Nilo. Ele viveu nos esgotos de Paris, sendo capturado e posto em um aquário. Na Flórida, atualmente, há cerca de um milhão de aligátores. O nome aligátor é uma adaptação ao inglês do espanhol, el lagarto, como os primeiros exploradores chamavam esse réptil.    


Os dois maiores crocodilianos, todavia, dentre todos, verdadeiros símbolos da resistência e adaptação desses incríveis animais ao tempo, são o imenso e brutal crocodilo-do-Nilo (Crocodylus niloticus), da qual fazia parte Éléonore, e o ainda maior crocodilo-de-água-salgada (Crocodylus porosus). Estes dois são os verdadeiros maiorais da lista desses répteis descomunais. E, embora todos sejam terrivelmente perigosos, estes são ainda mais.


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ÉLÉONORE FOI UM CROCODILO QUE, DE FATO, HABITOU OS ESGOTOS DE PARIS, CONTRIBUINDO PARA A LENDA DE QUE EXISTEM OUTROS ANIMAIS COMO ELA ESPALHADOS PELOS SUBTERRÂNEOS DAS GRANDES CIDADES



OS MAIS BRUTAIS DENTRE OS IRMÃOS



Um crocodilo-do-Nilo espreita sob a superfície do rio. Estes animais costumam ser solitários. Grande número deles é encontrado em locais onde o alimento, ou seja, a caça é abundante, mas eles não se unem em manadas ou cardumes como outras espécies.
Um crocodilo-do-Nilo espreita sob a superfície do rio. Estes animais costumam ser solitários. Grande número deles é encontrado em locais onde o alimento, ou seja, a caça é abundante, mas eles não se unem em manadas ou cardumes como outras espécies.

Com 700 km de comprimento e quase 1.500 m de profundidade, o lago Tanganica, na fronteira da Tanzânia, República do Congo, Burundi e Zâmbia, na África oriental, é o maior e segundo mais profundo lago de água doce do mundo. Milhares de pessoas dependem dele para sobreviver. Com frequência, elas se atiram às águas para pescar em seus simples barcos ou nele lavam suas roupas e limpam a louça do dia-a-dia ignorando o grande perigo que habita suas profundezas. Ignoram mas sabem que ele está lá: a besta. Trata-se de um crocodilo enorme que os moradores apelidaram de Gustave.


Gustave é um famoso crocodilo-do-Nilo macho. Supostamente com mais de seis, ou como alguns afirmam, oito metros de comprimento, o corpo dessa gigantesca criatura deve pesar facilmente acima de uma tonelada. Os especialistas afirmam ter ele passado dos cem anos de idade. Mas não para por aí. Gustave é um prolífico comedor de humanos! Há diversos relatos de pessoas arrastadas por ele das aldeias à beira do Tanganica que jamais voltaram para suas casas.


PESCADORES ATRAVESSAM UM TRECHO DO TANGANICA AO PÔR DO SOL. TODOS SABEM QUE, SOB AQUELAS ÁGUAS, SE ESCONDE UM GRANDE PERIGO.
PESCADORES ATRAVESSAM UM TRECHO DO TANGANICA AO PÔR DO SOL. TODOS SABEM QUE, SOB AQUELAS ÁGUAS, SE ESCONDE UM GRANDE PERIGO.

Diante de tantas supostas vítimas, as pessoas não encontraram outra saída a não ser caçar Gustave e matá-lo. Arriscando-se no lago, pescadores armados foram atrás dele. Conseguiram baleá-lo algumas vezes. Pelo menos, três. O enorme tamanho e as cicatrizes, uma na cabeça e outra entre os ombros, são as marcas que deixam claro ser ele o crocodilo dentre os vários existentes no Tanganica a emergir de suas águas. Mas Gustave não morreu. Ele, simplesmente, desapareceu. Ficou sem dar as caras por meses. Gustave já chegou a sumir por um ano e meio. Até que um búfalo ou uma outra pessoa foi arrastada para o lago e a culpa recaiu sobre ele. Em 2019, chegaram a afirmar terem-no, enfim, capturado. Como, porém, nenhum grande alarde foi feito por parte do responsável por esse feito, o que seria totalmente esperado diante do passado sombrio da criatura, imaginou-se que tudo não passou de um boato. Quer dizer, a besta continua viva em algum lugar do Tanganica. Mesmo com drones e tanta tecnologia, não é possível rastreá-la.


Para se ter uma ideia da fama perversa dessa criatura, entre 1987 e 2015, Gustave fora acusado de matar pelo menos trezentas pessoas! De lá para cá, os números só aumentaram. Isso faz dele o crocodilo mais carniceiro da história. As pessoas no Tanganica chegam a afirmar que Gustave prefere a carne humana a de outros seres; e que também se diverte com isso. Falam que ele é possuído por espíritos e que seu couro repele os projéteis atirados contra ele. Fato é que nem sempre Gustave devora suas vítimas humanas. Corpos já foram vistos abandonados boiando no lago. Eles trazem a marca dos dentes impiedosos do crocodilo assassino. Por que ele agiria assim? Por mera diversão? Teria sido apenas um lanchinho para ele? Há rumores de como Gustave persegue e observa suas presas. Ele possui uma memória impressionante. Guarda os movimentos das pessoas à sua volta. Sabe onde pescam, quando se banham, onde preferem nadar. Desde o começo de nossa evolução, convivemos com crocodilos e, é fato, somos atacados e comidos por essas criaturas há muito tempo e por toda parte. Mas não há na história um registro assim de um crocodilo devorador de homens. Isso faz de Gustave um assombro e também um enigma.


Para o pavor e, ao mesmo tempo, contemplação das pessoas, principalmente turistas vindos de outros cantos do globo para conhecer a África, os crocodilos-do-Nilo infestam os rios e lagos do continente. Os domínios cobertos por essa espécie cobrem da costa oriental à costa ocidental do território africano, da bacia do Nilo às regiões ao sul do deserto do Saara (indo do Egito ao arquipélago das Comores e Madagascar). É uma criatura colossal e agressiva. Lembra-se da cena da ponte de cordas partida por Indiana Jones em O Templo da Perdição? Pois bem.


PARA OS ANTIGOS EGÍPCIOS, OS CROCODILOS POSSUIAM UM ASPECTO DIVINAL. SOBEK, O DEUS-CROCODILO, HAVIA EMERGIDO DAS ÁGUAS DO CAOS PARA CRIAR O MUNDO. COM SUA FORÇA E FEROCIDADE, SOBEK TAMBÉM ERA O PATRONO DOS EXÉRCITOS DOS FARAÓS.
PARA OS ANTIGOS EGÍPCIOS, OS CROCODILOS POSSUIAM UM ASPECTO DIVINAL. SOBEK, O DEUS-CROCODILO, HAVIA EMERGIDO DAS ÁGUAS DO CAOS PARA CRIAR O MUNDO. COM SUA FORÇA E FEROCIDADE, SOBEK TAMBÉM ERA O PATRONO DOS EXÉRCITOS DOS FARAÓS.

Nas Filipinas, outro incomensurável monstro vagava sem freios acumulando o peso de ter devorado dezenas de búfalos do fazendeiros locais, um agricultor e uma menina de doze anos. Fartos daquela situação, as autoridades das ilhas organizaram uma busca para capturar a criatura. Caçadores experientes foram contratados. Mais de cem pessoas se reuniram numa caçada e partiram com o intuito de só retornar após conseguir encontrá-la. Depois de procurá-lo por semanas, Lolong foi achado e, após um noite inteira de luta, finalmente preso: o crocodilo-de-água-salgada macho cujas lendas locais julgavam ser um monstro pré-histórico; talvez até mesmo um remanescente dos últimos dinossauros.


Ao ser, enfim, capturado, Lolong pode ser medido e pesado. Com 6,18 m de comprimento confirmados e acima de uma tonelada e duzentos quilos de massa, Lolong foi atestado como o maior e mais pesado crocodilo já aprisionado pelo Homem. Para transportá-lo vivo ao cativeiro, no ano de 2011, foram necessárias mais de cem pessoas na operação e dias a fio de trabalho árduo. Posto num zoológico, Lolong virou uma atração bastante rentável. Todos queriam ver de perto a colossal criatura. Ele, porém, não acostumado à vida em cativeiro ou porque já estivesse velho e cansado, dois anos depois, veio a falecer.


Lolong é medido após ser levado para o cativeiro. Dos crocodilos capturados, ele é o maior de todos até hoje. Embora haja quem diga ser, na realidade, um espécime morto décadas atrás na Austrália.
Lolong é medido após ser levado para o cativeiro. Dos crocodilos capturados, ele é o maior de todos até hoje. Embora haja quem diga ser, na realidade, um espécime morto décadas atrás na Austrália.

Os crocodilos-de-água-salgada são os maiores dentre os crocodilianos. Embora Lolong fosse enorme, eles podem atingir dimensões ainda mais abruptas (crocodilos nunca param de crescer enquanto vivem). Podem ultrapassar o tamanho de uma Kombi e meia. Um pescador que vira o ataque de Lolong a um grupo de estudantes, após sua prisão, afirmou que aquele animal não era, de fato, o crocodilo que procuravam. O verdadeiro Lolong era muito maior!


Na cidade de Normanton, em Queensland, Austrália, há uma enorme escultura de um crocodilo diante da qual os turistas fazem pose para uma foto. A criatura representada ali se trata de um crocodilo-de-água-salgada que teria sido abatido com apenas um tiro certeiro feito por uma corajosa mulher, a polonesa Krystina Pawloski, no rio Norman em 1957. Tratava-se um espécime macho com incríveis 8,6 metros de comprimento! Há registros da época que confirmam o ocorrido e Krys, que morava com seu marido, Ron, perto de Mareeba, também em Queensland (falecida em 2004) se dizia arrependida por ter matado o animal. "Ele era fabuloso." Isso deixa dúvidas sobre o crocodilo pego nas Filipinas ser Lolong. Talvez o pescador tenha razão.



ESTÁTUA DO CROCODILO GIGANTESCO EM NORMANTON. AO LADO, A SUPOSTA FOTO DO MOMENTO APÓS KRYS ABATER O MONSTRO COM APENAS UM TIRO EM 1957. A CRIATURA TERIA QUASE 9 METROS.


Comuns em regiões banhadas pelo Oceano Índico e Pacífico, desde os manguezais do delta do Ganges, entre a Índia e Bangladesh, passando pelo sudeste asiático até as ilhas Salomão e Filipinas, além da costa norte da Austrália, os crocodilos-de-água-salgada habitam rios e estuários, mas, como seu próprio nome indica, podem ser encontrados em zonas costeiras de mar aberto. Chama a atenção sua cabeça enorme, relativamente grande em relação ao corpo já gigantesco — numa proporção maior que a vista em outros crocodilos.


A mordida dos crocodilos é a mais forte do reino animal. Movida por músculos poderosos, ela supera a do tigre, do hipopótamo e, pode-se dizer, há um empate com a do tubarão — animal o qual os crocodilos marinhos podem predar. Mas precisa ser um enorme tubarão-branco! A de um crocodilo-de-água-salgada (que, com uma única dentada, pode esmagar o crânio de um bovídeo), com seus sessenta e seis dentes afiados, pode gerar uma pressão próxima a 1.800 kg, ou seja, 1,8 tonelada, conseguindo vencer por pouco a mordida de seu irmão crocodilo-do-Nilo (como comparação, a mordida de um humano gira em torno de 60 kg). É a mais forte arma de uma criatura animal que perambula hoje pela superfície da Terra. Caçadores australianos, como aquele do divertido filme dos anos 1980 Crocodilo Dundee, sabem disso. Por isso, andam precavidos pelos pântanos ao norte do país. Eles sabem o quanto aqueles grandes répteis são territorialistas. Na verdade, qualquer um que more onde existe um desses crocs precisa ter muito cuidado. Todos os dias. E sempre que decidir entrar na água. §



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CROCODILOS SÃO UM PRATO CHEIO PARA FILMES DE AVENTURA. AFINAL, SÃO EXTREMAMENTE PERIGOSOS, GIGANTESCOS E METEM MEDO NAS PESSOAS. ENQUANTO EM "CROCODILO DUNDEE" USARAM UM BONECO ENORME MECANIZADO PARA AS CENAS, EM "O TEMPLO DA PERDIÇÃO", APESAR DE INDIANA JONES ESTAR NA ÍNDIA, OS ANIMAIS MOSTRADOS, NA REALIDADE, SÃO ALIGÁTORES O QUE SERIA UM ERRO. SEGUNDO O DIRETOR, STEVEN SPIELBERG, ERA MAIS FÁCIL GRAVAR COM ELES. DIANTE DA MAGIA DO CINEMA E DA EMPOLGANTE HISTÓRIA DO ARQUEÓLOGO, A GENTE DEIXA PASSAR



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QUEM
ESCREVE

O autor, ALLAN KRONEMBERG,

é jornalista, ex-militar e o criador

da marca NA FRONTEIRA. Desde novo,

Allan é aficionado por histórias

de exploradores, filmes de cowboy

e livros sobre os mais variados

temas e aventuras (com destaque

para as obras de Hemingway,

Jack London, os poemas de Bukowski,

frases de Twain e os contos hiborianos

de Howard - inclua as páginas de

"O tempo e o vento", de Érico Veríssimo,

nessa lista mais as notas pujantes de uma

canção do The Cult). Tornando-se

ele mesmo, pelos anos, um aventureiro,

Kronemberg sempre buscou na

natureza selvagem - e numa garrafa

de whisky, ele diria - a inspiração

para a vida e suas próprias estórias.

Foi dele a ideia de tornar

a NA FRONTEIRA, além de uma

grife de roupas, uma revista sobre

os mais diversos assuntos pertinentes

à rotina e aos gostos dos clássicos

aventureiros; homens e mulheres

com o espírito da tempestade

em seu sangue.

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