CHOMOLUNGMA: A BUSCA PELA MAIS SOBERANA DAS MONTANHAS
- Allan Kronemberg

- 23 de ago.
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Antes de ser avistada pela primeira vez por olhos ocidentais, outras montanhas galgaram o título, hoje, inquestionável de CHOMOLUNGMA... ou PICO XV, como se chamou um dia, ou... MONTE EVEREST (contemplado imponente na foto acima). Mas, mesmo após, digamos, sentar-se no trono, alguns exploradores e cientistas chegaram a duvidar de sua indubitável majestade. A disputa final pela coroa ocorreu nos anos 1980. E justamente contra a única outra montanha na Terra, talvez, que pudesse desafiá-la: a segunda na hierarquia.

A DESCOBERTA DO PICO XV

M RAZÃO DA FANTÁSTICA PAISAGEM diante de seus olhos – que sugeriria a qualquer um estar ali a mais alta das montanhas da Terra –, nos idos de 1850, os britânicos do Grande Levantamento Trigonométrico da Índia estavam ávidos por descobrir na imponente Cordilheira do Himalaia (dentro de seus domínios, pois uma enorme parte do subcontinente indiano consistia um protetorado britânico), o verdadeiro topo do mundo. Enquanto mapas antigos apenas possuíam o Velho Mundo europeu em seu centro e o conhecimento acerca das medições topográficas era escasso, o Elbrus, no Cáucaso, com 5.642 metros – onde a mitologia grega punha o titã Prometeu acorrentado – era a mais elevada das moradas. Isto apesar de algumas raras crônicas mencionarem a existência de uma montanha branca e altíssima no coração da África: o ainda desconhecido Kilimanjaro (5.891 metros).
A descoberta da América e da imensa Cordilheira dos Andes estimulou o ímpeto dos europeus. Durante os séculos XVII e XVIII, a montanha, então, considerada a maior de todas no planeta passou a ser um monte encontrado nessa cadeia. Não, não se trata do Aconcágua (depois validado como maior montanha das Américas), mas, sim, o Chimborazo: um vulcão extinto de 6.310 metros nas terras do atual Equador. Em 1802, os exploradores Alexander von Humboldt, da Alemanha, Aimé Bonpland, francês, e o equatoriano Carlos Montúfar, ousaram escalá-lo, chegando à altitude de 5.875 metros, a maior, então, já alcançada pelo Homem. Mas histórias curiosas vinham do extremo oriente.
AQUARELA EL CHIMBORAZO, JUAN AGUSTÍN GUERRERO (1818-1880) / ESTÁTUA EM MÁRMORE DE PROMETEU ACORRENTADO, CLAUDE DAVID (1678-1722)

Em 1809, um agrimensor britânico estimou a altitude de um pico do Himalaia chamado Dhaulagiri em 8.187 metros (número posteriormente corrigido para 8.167). A maioria dos geógrafos de fora da Índia se recusou a acreditar, chegando a achar absurda a ideia de existir no planeta uma montanha com tal medida. Apenas os súditos da rainha ficaram empolgados. Na década de 1840, destronaram o Chimborazo, convencendo os demais de que o Kangchenjunga, com seus surpreendentes 8.585 metros (nevado ao fundo na foto maior acima), era a mais alta das montanhas já encontradas.
O reinado do Kangchenjunga, no entanto, não durou muito. Numa tarde quente de 1852, Sir Andrew Waugh, chefe do serviço de levantamento britânico, recebeu um subalterno esfuziado em sua sala. Hennessey, o nome dele, disparou: “Senhor, descobri a montanha mais alta do mundo!” Segundo o próprio, tratava-se de um monte localizado no reino proibido do Nepal, conhecido apenas pelo algarismo romano XV. Ele teria uma altitude de incríveis 8.839 m.
"Senhor, descobri a montanha mais alta do mundo!" – exclamou Hennessey.
Nos anos seguintes, os agrimensores voltaram seus teodolitos de precisão para o dito pico XV, que se projetava no horizonte a mais de 160 km das estações de observação, escondido atrás dos maciços os quais, muitos, davam a impressão de serem bem mais altos do que ele. Após mais de uma década, os cálculos de Hennessey se mostraram corretos e Waugh se convenceu de ser aquela montanha, sem sombra de dúvida, imbatível. Embora os tibetanos já a conhecessem como Chomolungma (que significa “Deusa Mãe do Mundo” ou "Deusa mãe das montanhas") e os nepaleses, por Sagarmatha (a “Face do Céu”), ele decidiu lhe dar um nome oficial inglês em homenagem a seu predecessor no cargo de supervisor-geral, Sir George Everest.

O Monte Everest passaria a ser o assunto principal nos salões da nobreza europeia e, principalmente, britânica. A convicção de ser ele o mais imponente cume do planeta fez ressurgir o desejo humano de dobrar o impossível e alcançar o seu topo. Sobre tal necessidade, Günter Oskar Dyrenfurth, influente historiador alemão e escalador nos primórdios do montanhismo no Himalaia, deixou registrado: “é uma questão de empenho humano universal, uma causa da qual não há como escapar, independentemente dos custos que o empreendimento possa acarretar.” Começou-se uma busca desenfreada, semelhante à corrida nascida muito tempo depois para se chegar à Lua, ao cimo da Terra. E, como afirmou Günter, ela teve inúmeros custos. Após a declaração de Hennessey, quinze vidas foram perdidas na montanha e treze penosas expedições falharam logrando alcançar seu ponto mais elevado.
CHOMOLUNGMA SIGNIFICA "DEUSA MÃE DO MUNDO"; SAGARMATHA, "A FACE DO CÉU": OS NOMES PELOS QUAIS OS LOCAIS CHAMAM O EVEREST
Foram precisos cento e um anos de tentativas para que, nas primeiras horas do dia 29 de maio de 1953, Edmund Hillary e Tenzing Norgay galgassem, centímetro a centímetro, os últimos obstáculos da elevadíssima aresta sul daquele monte. Perto do meio dia, extremamente fatigados, os dois olharam para cima e admiraram o cume de neve arredondado além do qual nada na Terra podia se impor. Eles se tornaram os primeiros homens a pisar no topo do mundo. A notícia da conquista chegou à Inglaterra na hora mais apropriada. Como se estivesse escrito num roteiro de cinema, quatro dias depois, ocorreria a coroação da rainha Elizabeth. O jornal The Times estampara o esplendoroso feito na edição daquela festiva e chuvosa manhã em Londres, num texto assinado pela jornalista Jan Morris (à época, sob o pseudônimo “James” Morris). Tudo estava perfeito para Sua Majestade! O mundo se regozijava ante o pioneirismo inglês.
NA PRIMEIRA FOTO, TENZING FOTOGRAFADO NO TOPO DO EVEREST POR HILLARY (ROYAL GEOGRAPHICAL SOCIETY) E, EM SEGUIDA, ENTRONIZAÇÃO DA RAINHA ELIZABETH II EM 2 DE JUNHO DE 1953: CECIL BEATON
Hillary, um súdito dos confins do império, a Nova Zelândia, foi sagrado cavaleiro e Tenzing virou herói nacional na Índia, Nepal e Tibete, as três nações disputando sua nacionalidade. Daquela data em diante, todos os almanaques e enciclopédias do mundo não apenas mostrariam o Everest como sendo a mais elevada montanha do planeta como também deixariam documentado o fato de a primeira bandeira a ser fincada em seu topo ter sido a Union Jack britânica. Uma certeza que durou até 1987, quando um artigo curto, escondido na última página de outro “Times”, o norte-americano, pôs em cheque o que parecia inegável. Em 7 de março daquele ano, o New York Times publicou a seguinte manchete: “Informações recentes demonstram que o Everest talvez seja o segundo mais alto. ” Dali a dois meses, fariam 34 anos daquela primeira escalada com sucesso do chamado terceiro pólo, tido o mais gigantesco pináculo do planeta desde sua descoberta pelos ocidentais na metade do século XIX.
"Informações recentes demonstram que o Everest talvez seja o segundo mais alto." – New York Times, 1987
A dúvida colossal fora levantada após uma expedição americana de 1986 ao K2 colher novas informações acerca dessa elevação localizada 1.300 quilômetros a noroeste do Everest. O K2 é uma imponente pirâmide situada na Cordilheira do Karakoram, na fronteira sino-paquistanesa. É a segunda mais alta do mundo, posto que já possuía até o astrônomo George Wallerstein utilizar sinais eletromagnéticos emitidos por um satélite militar e calcular sua altitude em 8.858 m (não 8.610, como se acreditava). Wallerstein chocou a comunidade geográfica mundial com esse dado e espantou a todos ao afirmar que, talvez, o K2 possuísse uma altitude ainda maior: incríveis 8.908 metros!
Se o astrônomo estivesse correto, a “Montanha Selvagem” teria, pelo menos, dez metros a mais do que o Everest – cuja altitude fora meticulosamente calculada pelos chineses, em 1975, em 8.848 m. Isso colocaria em xeque não apenas o feito outorgado pelos ingleses como também frustraria mais de duzentas pessoas que, até então, haviam dado tudo de si para alcançar o cimo do mundo. Isso fora os milhares de outros que tentaram e fracassaram, as feridas e amputação de dúzias de dedos congelados, os milhões de dólares gastos e a perda, segundo o cômputo da época, de mais de cem vidas humanas. Lance Owens, líder da expedição de 86, chegou a dizer que “todo mundo andou escalando a montanha errada”. A verdade é que os únicos a festejarem, talvez, fossem os italianos por haver sido uma dupla do país, Lino Lacedelli e Achille Compagnoni, os primeiros a pisarem no topo do K2 em 1954.
Wallerstein, porém, advertiu que era cedo para afirmar ser o K2 realmente maior do que o Everest. Alegou serem “suas observações de natureza preliminar” e que as medidas das duas montanhas precisavam ser rigorosamente refeitas utilizando-se a moderna tecnologia de satélites. Ele bem conhecia a história de boatos e descobertas de picos “mais altos” do que o Chomolungma no passado, quase sempre brotados de pessoas tidas de confiança como os filhos do presidente Roosevelt e o explorador Joseph Rock, emissário da prestigiada revista National Geographic.
A COROA EM XEQUE
No começo dos anos 1930, um monte isolado num recanto perdido da província chinesa de Sichuan – de aparência impressionante – chamou a atenção de muita gente. O Minya Konka (atualmente conhecido como Gongga Shan) se tornou o centro das especulações após Kermit e Theodore Roosevelt Jr. regressarem de uma expedição à região em busca do panda gigante e escreverem um livro no qual diziam que esse cume se elevava a mais de 9 mil metros. Rock, botânico autodidata e repórter enviado à China pela National Geographic Society, visitara um monastério na base do Minya Konka e, com uma bússola de bolso e um barômetro, medira a altitude dessa montanha. Ele telegrafou imediatamente para seus colaboradores na América: “MINYA KONKA MAIOR PICO DO MUNDO 9220 METROS. ROCK.”
ROCK NA CHINA. ENTRE 1922 E 1935, O JORNALISTA REALIZOU EXPEDIÇÕES ÀS ÁREAS MAIS REMOTAS DO INTERIOR DA ÁSIA (ARQUIVO JOSEPH ROCK).
A National preferiu à época não publicar o cálculo de Rock e medições posteriores, mais acuradas, demonstraram possuir a montanha, na realidade, 7.589 metros: ou seja, quase um quilômetro e meio a menos do que o Everest. Mas Rock, não satisfeito, mudara seu alvo para outro pico: o Anye Machin (hoje, Magen Gangri), em cujo sopé vivia um belicoso povo aborígene que acreditava ser ali a morada dos deuses. O jornalista havia cruzado na China com o general de brigada George Pereira, valoroso explorador britânico que, em 1921, empreendera uma ambiciosa jornada a partir de Pequim com o intuito de atravessar a Índia, Burma e o sul da China para, em seguida, retornar à cidade de partida. Pereira faleceu no caminho, contudo esbarrou com Rock na província de Yunnan e lhe confidenciou existir um imenso cume na cadeia do Anye Machin o qual tinha certeza ser mais alto do que o Everest. Por isso, Rock foi até lá. E afirmou ter essa montanha 9.014 m – baseado, claro, em seus métodos pouco precisos.
Em 1944, surgira um relato de que um DC-3 americano que fazia a ponte aérea entre Burma e Xunquim, na China, ao sobrevoar essa cordilheira, teve que desviar sua rota devido a uma violenta tempestade. Próximo ao Anye Machin, o piloto saira de uma camada de nuvens a 9.300 m de altura, ditos por seu altímetro. Para sua surpresa, um pico coberto de neve se projetava bem acima: centenas de metros mais alto do que a posição da aeronave!
Tal voo, a bem da verdade, era uma peça dos americanos ao final da Segunda Grande Guerra para cima dos pilotos ingleses que os importunavam em busca de histórias eletrizantes – um DC-3 jamais poderia chegar perto de tamanha altitude. Entretanto, o industrial americano Milton “Esferográfico” Reynolds (que fabricava canetas), em 1947, lendo sobre tal “acontecimento” no livro Kingdom of Adventure: Everest [Reino da Aventura: Everest], recém-publicado por James Ramsey Ullman, não fazia ideia disso – nem Ullman. O autor, inclusive, escrevera uma passagem sobre o Anye Machin da seguinte forma: “... se a montanha-mistério é de fato mais alta do que o Everest, sua descoberta será considerada o mais importante evento geográfico dos tempos modernos”. Isso levou Reynolds a embarcar para a Ásia a fim de provar tal crença.
Num enorme quadri-reator batizado de China Explorer, equipado com o que havia de mais moderno em instrumentos aéreos de agrimensura, ele, o exímio piloto de provas Bill Odom e o conhecido alpinista e agrimensor Bradford Washburn, partiram rumo à China. A expedição, porém, não teve êxito. Logo em seu começo, ao deixarem Pequim, atolaram o avião na lama da pista e quebraram o trem de pouso e uma das hélices. A investida foi cancelada e, numa tentativa de ao menos contemplar o Anye Machin, Reynolds e Odom, após consertarem o avião para seu retorno aos Estados Unidos, levantaram voo sozinhos e mudaram o trajeto a fim de sobrevoar a montanha. Eles, contudo, somente puderam observá-la ao longe (Odom subestimou a quantidade de combustível necessária para o trajeto). Mas Reynolds fez questão de afirmar que vira “à frente uma gigantesca massa de terra saindo da camada de nuvens abaixo e erguendo-se até a camada seguinte, a 9.450 metros... Na realidade, eu estava olhando para a montanha mais alta do mundo!” Isto ainda foi corroborado por outro explorador, Leonard Clark, que, em 1949, foi até o sopé da montanha e a mediu com um teodolito bruto conseguido junto à uma repartição rodoviária chinesa – 9.040 metros, concluiu Clark possuir aquele monte. Em 1970, todo esse mistério envolvendo o Anye Machin teve fim após os chineses confirmarem sua altitude em exatos 6.282 m.
OS DOIS POSTULANTES: MAIS ACIMA, O MONTE CONSIDERADO SAGRADO ANYE MACHIN E, ABAIXO, O MYNIA KONKA (ASYALIST)
O EMBATE FINAL: K2 VERSUS “BIG E”
Todo burburinho causado por Wallerstein e a expedição americana de 86 ao K2 baseava-se numa questão: a maneira mais precisa e confiável de medir a altitude de uma montanha. O modo tradicional, por triangulação, consistia em se “alvejar”, utilizando um teodolito, o ângulo de elevação do pico de pelo menos dois lugares diferentes sobre os quais já se conhecesse com exatidão as altitudes. Após medir a distância entre essas estações, o agrimensor teria dois ângulos firmados e um lado de um enorme triângulo imaginário delineado pelo cume da montanha e as duas estações. Pondo esses três números numa fórmula trigonométrica – e corrigindo o resultado em razão da curvatura da Terra –, ele obteria a altitude da montanha.
O problema nesse método é a quantidade de variáveis em torno do ato da medição; fatores incertos como a refração atmosférica e a deflexão do fio de prumo. Em termos simples, é possível mensurar que, primeiro, os raios de luz que cortam a atmosfera e mudam suas propriedades conforme o horário influenciam na visada da montanha por meio do teodolito, gerando alterações nos cálculos que se agravam à medida em que aumenta a distância entre o observador e o pico (ao obter uma altitude para o Everest a partir de estações localizadas nas distantes planícies da Índia, os agrimensores precisaram corrigir suas avaliações em até 419 metros para compensar a refração); segundo, uma massa tão gigantesca quanto a da cordilheira do Himalaia imperceptivelmente influi na nivelação dos instrumentos.
Ora, nenhum acerto de refração e deflexão valerá caso as medidas das bases não estejam perfeitamente corrigidas. A altitudes das estações finais dos teodolitos para se chegar à medição do Everest e demais montanhas do Himalaia teve de ser estabelecida mediante uma complexa cadeia formada por milhares de triangulações independentes espalhadas pelo subcontinente indiano. Um passo por vez, uma montanha após a outra.

DUAS IMAGENS MOSTRANDO AGRIMENSORES EM AÇÃO NO TERRENO.
"Todo mundo andou escalando a montanha errada." – Lance Owens, líder da expedição de 1986 ao K2.

NA IMAGEM MAIS ACIMA, EM 1963, A PRIMEIRA TENTATIVA AMERICANA DE CHEGAR AO CUME DO EVEREST NECESSITA DE MAIS DE 900 CARREGADORES PARA LEVAR 25 TONELADAS DE SUPRIMENTOS NAS COSTAS POR UMA TRILHA DE 300 KM ATÉ O CAMPO BASE (ASSOCIATED PRESS). NA OUTRA FOTO, UMA EQUIPE DE ALPINISTAS NA CORDILHEIRA DO KARAKORAM DIANTE DO K2 (NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY).
Acontece que, em 1986, o professor Wallerstein pôde ignorar todo esse processo graças ao predecessor do hoje conhecido equipamento de GPS (Sistema de Posicionamento Global, agora, usado nas medições), o receptor Doppler. O mesmo era capaz de receber os dados de ondas de rádio provenientes de seis satélites postos em órbita pela Marinha dos Estados Unidos com o intuito de orientar seus submarinos, determinando com exatidão a latitude, longitude e altitude do ponto onde fosse plantado. A média obtida após algumas passagens dos satélites estimaria a posição do aparelho na superfície terrestre com um erro não maior que um metro esférico.
É bem verdade que um aparelho desses, à época, era extremamente caro e dificílimo de se encontrar. Todavia, por sorte, um deles caiu no colo do astrônomo e de Owens, que não precisaram desembolsar tanta grana. Resolveram colocar, então, a mala com o aparelho de trinta e cinco quilos na mochila e levá-la para o K2. Quando, em 8 de junho de 1986, o empolgado professor puxou a antena de seu Doppler na base da montanha e o acionou, o mesmo começou a funcionar e receber os sinais dos satélites. Wallerstein triangulou a altitude de vários pontos do relevo que haviam sido medidos pela última vez pelo explorador britânico Michael Spender em 1937. Para seu espanto, todas estavam cerca de 270 m abaixo do que a medição obtida por ele. Foi aí que pensou: se o cume do K2 possuísse, na realidade, 270 metros a mais, ele seria mais alto do que o Everest; ou melhor, dezenas de metros mais alto!
O DOPLER FOI O PRIMEIRO GPS, POR ASSIM DIZER. ELE JÁ REALIZAVA MEDIÇÕES POR SATÉLITE COM UMA PRECISÃO INFINITAMENTE MAIOR QUE OS MÉTODOS CONVENCIONAIS.
Como a expedição não houvesse se encaminhado ao Karakoram no intuito de medir o K2, mas, sim, escalá-lo (o que não foi possível já que o grupo chegou a 8.050 m e precisou retornar por causa de uma tempestade que ceifou a vida de treze pessoas na montanha), seu aparato não estava completo para o propósito idealizado por Wallerstein. Com pouca experiência em agrimensura e tendo que trabalhar como carregador, ele teve poucos dias para efetuar suas medições. O recarregador solar de baterias necessário para manter o Doppler operando tempo suficiente para sucessivas medições também não funcionou e ele apenas pôde registrar uma passagem do satélite – o que não confirmou com precisão os dados.
Por tudo isso, o astrônomo se manteve receoso de tão rápido destronar o Everest e elevar o K2 ao posto de número um. Obviamente, criou-se um clima de grande especulação: igual ou maior do que as vezes anteriores em que Chomolungma fora desafiado pelo Minya Konka e Anye Machin. Afinal, agora era o K2, o segundo! Uma montanha com maiores atributos para ser considerada, talvez, a verdadeira rainha (isto apenas não fora cogitado antes porque diversas vezes o Everest e ele foram comparados e medidos, não havendo sobre tal um mistério que possibilitasse uma especulação).
Depois da publicação do New York Times e da revista Outside sobre o assunto, Wallerstein foi caçado como um rato por inúmeros jornais e canais de TV do mundo, sobretudo, italianos. Não demorou para que equipes de alpinistas decidissem pôr um ponto final no assunto, refazendo as medições do Everest e do K2 utilizando a tecnologia Doppler. A primeira a retornar com uma informação segura, tomada após meticulosas leituras dos satélites de ambos os picos, fora a expedição italiana liderada por Ardito Desio, o mesmo que encabeçou a primeira a ascender o K2 décadas atrás. No dia 6 de outubro de 1987, eles divulgaram – talvez, decepcionados – dados a serem corrigidos mas que já apontavam uma direção:
EVEREST, 8.872 m; K2, 8.616 m. Mais uma vez, após as especulações, a história permaneceria inalterada. A coroa ficaria no mesmo lugar e, para sossego de seus súditos, geógrafos e alpinistas do mundo inteiro, não mais seria ultrajada.






























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